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Novembro 26, 2025

Descoberta enzima em cianobactérias que abre portas a inovação biotecnológica

Investigadores do CIIMAR e da Universidade de Helsínquia descobrem nova modificação bioquímica em produtos naturais de cianobactérias, revelando uma “ferramenta” inédita com aplicações promissoras na biotecnologia e no desenvolvimento de fármacos.

Imagine as cianobactérias como engenheiras microscópicas que produzem, há milhões de anos, moléculas com propriedades de proteção, de sobrevivência, comunicação e competição. Muitas destas moléculas, às quais chamamos produtos naturais, já foram descobertas pela comunidade científica e são usadas nas mais variadas aplicações: da indústria naval à farmacêutica e à medicina.

Desta vez, estas “engenheiras azuis” surpreenderam os investigadores do CIIMAR ao revelar um novo “truque” bioquímico: a capacidade de adicionar grupos fosfato às cianobactinas – uma das famílias de péptidos com potencial terapêutico mais estudada em cianobactérias – num processo conhecido como fosforilação, até agora nunca observado nesta família de compostos.

 

O potencial desta descoberta, apesar de altamente específica da química dos produtos naturais, traduz-se de forma muito simples: abre todo um novo horizonte de possibilidades para a biotecnologia marinha, em especial para o desenvolvimento de futuros fármacos.

O trabalho, agora publicado na revista Nature Communications, tem como primeira autora Raquel Castelo-Branco, investigadora do grupo de Produtos Naturais de Cianobactérias do CIIMAR, e foi coordenado pelo investigador principal do grupo Pedro Leão, em colaboração com David Fewer, da Universidade de Helsínquia.

 

A nova “ferramenta” molecular

 

Durante o doutoramento de Raquel Castelo-Branco em Biotecnologia Marinha e Aquacultura na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), a análise bioinformática de genomas de cianobactérias das coleções LEGE (CIIMAR) e UHCC (Universidade de Helsínquia) revelou uma pista inesperada: uma enzima dotada de um domínio “extra” que lhe permitiria fazer a fosforilação.

Raquel Castelo-Branco surpreende-se pela simplicidade da descoberta: “O mais fascinante foi ver como uma pequena sequência genética identificada no genoma levou à descoberta de uma nova modificação nas cianobactinas.”

Trata-se de uma enzima rara que combina esta nova possibilidade de fosforilação com as já conhecidas vias biossintéticas das cianobactinas. Em suma, esta combinação, nunca antes observada, funciona como um “novo módulo” na caixa de ferramentas da biotecnologia: permite que as próprias cianobactérias produzam, de forma natural e sustentável, moléculas fosforiladas, sem necessidade de recorrer à química laboratorial.

“É um exemplo perfeito de como a genómica pode revelar novas funções bioquímicas escondidas na Natureza” explica a investigadora do CIIMAR.

 

Mas porque é isto é importante?

 

A fosforilação é um processo bioquímico muito comum nas células, no qual um grupo fosfato é adicionado a outras moléculas. Nas proteínas, esta modificação atua normalmente como um mecanismo de regulação temporária, funcionando como um “interruptor” que liga ou desliga a sua atividade consoante as necessidades da célula. No entanto, a fosforilação descoberta neste estudo é diferente. Em vez de ser um sinal transitório, trata-se de uma modificação química estável, instalada por uma enzima especializada durante a biossíntese das cianobactinas. Esta fosforilação faz parte da própria estrutura final da molécula, conferindo-lhe propriedades únicas e potencialmente novas funções biológicas.

“A fosforilação é uma modificação comum em proteínas, mas raríssima nas pequenas moléculas especializadas que normalmente chamamos de “produtos naturais” esclarece Raquel Castelo-Branco. O facto de as cianobactérias a fazerem transcende todo o conhecimento científico até agora documentado e abre portas para novas estratégias de síntese sustentável de compostos fosforilados.

No futuro, os investigadores planeiam construir uma biblioteca diversificada de péptidos, que serão fosforilados por esta nova enzima, permitindo explorar o seu potencial terapêutico em diferentes áreas, desde a oncologia à medicina regenerativa.

“Acreditamos que este trabalho poderá abrir caminho para o desenvolvimento de uma biblioteca de péptidos fosforilados, com potencial anticancerígeno, antibacteriano e antiviral”, acrescenta a investigadora. “A Natureza continua a ser uma fonte inesgotável de inspiração para criar produtos mais sustentáveis e inovadores”, remata a investigadora do CIIMAR.