O desenvolvimento constante da nossa sociedade e a sua urbanização têm contribuído para a disseminação de poluentes, incluindo fármacos, compostos que têm sido utilizados para combater diversas doenças humanas e veterinárias. Contudo, o seu consumo intensivo e uso inadequado levaram à sua presença em diferentes matrizes ambientais, pondo em risco o funcionamento dos ecossistemas e impactando os organismos que aí habitam. As estações de tratamento de águas residuais (ETAR) são uma das principais fontes de fármacos no ambiente, uma vez que estas infraestruturas não foram concebidas para remover estes compostos.
Até recentemente, os fármacos e os seus metabolitos activos não estavam sujeitos a qualquer regulamentação ou legislação, mas com a implementação da Diretiva 2013/39/UE, alguns fármacos passaram a ser considerados substâncias prioritárias a regular no âmbito da política da água, sendo incluídos numa lista de vigilância (Watch List). Mais recentemente, a diretiva relativa ao tratamento de águas residuais urbanas, enquadrada no plano de ação da União Europeia (UE) para a poluição zero, foi revista, estabelecendo que, até 2045, uma vasta gama de micropoluentes (incluindo compostos farmacêuticos) terá de ser removida pelas ETAR.
Assim, torna-se necessário desenvolver soluções sustentáveis que possam ser integradas nas ETAR, idealmente com poucas modificações à sua estrutura atual e com reduzida interferência nos seus processos diários. Tendo em conta o plano de ação da UE para a poluição zero e recorrendo a processos mais sustentáveis, a biorremediação — mais especificamente, o uso de microrganismos especializados com maquinaria metabólica capaz de biodegradar fármacos — pode apresentar-se como uma solução adequada e sustentável.
A maioria dos processos biológicos convencionais das ETAR (por exemplo, lamas ativadas) possui uma comunidade microbiana muito específica, altamente especializada na degradação de matéria orgânica e na remoção de azoto e fósforo do afluente. Estes reatores biológicos operam com tempos de retenção hidráulica, tempos de retenção de lamas e relações alimento/microrganismos otimizados, que normalmente não são ideais para a biodegradação de moléculas mais complexas, como os fármacos. Assim, o uso de microrganismos especializados como solução para biodegradar fármacos deverá ser considerado num tratamento terciário ou quaternário, numa estação separada.
O projeto MICROCHAR tem como objetivo desenvolver estruturas de biochar com microrganismos imobilizados, com capacidade para degradar diferentes fármacos, para serem implementadas no tratamento terciário ou quaternário das ETAR, respondendo à nova diretiva sobre o tratamento de águas residuais urbanas. Para começar, serão utilizadas estirpes bacterianas previamente isoladas de culturas enriquecidas inoculadas com lamas ativadas, com capacidade para biodegradar dois fármacos (paroxetina e bezafibrato). Adicionalmente, estirpes bacterianas da Coleção de Culturas Microbianas do CIIMAR (CM2C), capazes de degradar diferentes poluentes (por exemplo, hidrocarbonetos e fármacos), serão testadas contra diferentes fármacos (por exemplo, cetoprofeno e atorvastatina, representativos de distintas classes terapêuticas), para avaliar o seu potencial de biodegradação.
Os ensaios serão realizados numa primeira fase utilizando meios sintéticos, e as estirpes com melhor desempenho serão testadas em efluente real de águas residuais (recolhido após o tratamento biológico secundário), individualmente e em consórcio, avaliando também o seu potencial para biodegradar diferentes fármacos e/ou misturas destes. Seguidamente, será avaliado o potencial de formação de agregados, isoladamente e em consórcio, pelas estirpes previamente selecionadas, seguindo-se a imobilização desses agregados bacterianos em estruturas de biochar. Finalmente, serão montados microcosmos para validar o potencial biodegradativo dos agregados bacterianos imobilizados em biochar, utilizando efluente de uma ETAR, recolhido após o tratamento biológico secundário.
A equipa do MICROCHAR possui uma vasta experiência no desenvolvimento de soluções baseadas na natureza (como a biorremediação) para degradar diferentes poluentes orgânicos. Além disso, os investigadores do MICROCHAR têm elevada especialização em microbiologia, química ambiental e tratamento e gestão de águas residuais, competências essenciais para a execução do projeto. Com o projeto MICROCHAR, será possível desenvolver uma tecnologia sustentável e ecológica, com baixos impactos ambientais e baixos custos operacionais, adequada para aplicação em tratamentos terciários ou quaternários de ETAR. Estas estruturas podem ser móveis e facilmente renováveis.
Os resultados do projeto MICROCHAR podem contribuir para o desenvolvimento de tratamentos terciários ou quaternários eficientes para aplicação em ETAR, em conformidade com o plano de ação da UE para a poluição zero e para o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 – Água potável e saneamento, assegurando a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos.
